Uma ligação para você

Quando o sol se pôs eu estava lá, cheia de incertezas e duvidas. Mas essas duvidas começaram no meio da tarde, porque de manha o cheiro do café e o gosto de uma cuca era o que eu queria, achando que seria outro dia qualquer, como todo dia se torna quando não é vivenciado com toda a veracidade. Mas quando recebi uma ligação de uma pessoa que não posso citar foi como se eu ficasse estagnado, sem reação. E poderia ter sido minha mãe falando de seu marido, minha avó falando de sua viagem, ou até mesmo o meu patrão cobrando de mim as contas e as coisas. Podia ser a diretoria reclamando dos meus filhos, ou até o pet shop falando que o cachorro já estava pronto. Mas não, não era nada disso. Uma voz em prantos que não era de nenhuma pessoa do meu convívio, ninguém que eu me lembrasse ou precisasse saber. E essa pessoa disse: Me ajuda! Naquele momento eu não conseguia entender, ajudar quem? Em o que? No mesmo momento eu tentei falar e perguntar, mas o celular desligo. Como eu ajudaria essa pessoa? Seria apenas um trote, uma pegadinha? Em seguida liguei para minha mulher que estava na academia e perguntei se ela estava bem. Ela nos risos falou que sim, e isso me fez notar, que realmente não era nada. Mas logo que sai de casa as oito da manha, vi que o porteiro não estava de roupa azul, estava de preto. E quando cheguei ao consultório notei como a minha assistente estava pálida, e vi com mais clareza a necessidade de cada paciente meu. E então quando estava saindo do consultório para almoçar o celular tocou novamente, eu atendi. E agora só ouvia uma respiração, e de repente a mesma voz falou: Observe, observe mais. Observar mais? Dês da primeira ligação a única coisa que tenho feito é observar. E então quando voltei para casa as dezenove horas decidi fazer um percurso diferente, e comecei a notar a pobreza, a tristeza de alguns, a alegria de outros , os risos, os silêncios, os carros e as buzinas. E voltando ao início eu estava lá, sentado no capo do carro de frente pra praia, parecendo um jovem , sem rumo, cheio de duvidas, cheio de algo que não sentia antes, cheio de vida. Vi tantas pessoas e tantas coisas durante um dia inteiro, e tudo por causa de uma ligação, de uma pessoa que nem sei se está bem. Eu não pude ajudar ela, nem se quer falar. Mas o estranho é que ela me ajudou. E então olhei em chamadas recebidas e retornei a aquele numero. Ela atendeu. Eu disse: Obrigada, parece que voltei ver, a viver. Não sei quem você é, mas se precisar estou aqui para lhe ajudar. Do que você precisa? A outra pessoa na linha de um riso. E ela disse: Eu não quero nada. Na primeira vez que te liguei eu chorava de felicidade porque meu filho se curou do câncer, graças a fé e a força que uma pessoa me deu e me fez ter, e logo depois me fez prometer que ligaria para um numero desconhecido e faria com essa pessoa o que ele fez a mim. É curador não é? Aposto que você nunca viu as pessoas com esse olhar. Eu assenti com a cabeça. Agora parecia mais claro... Eu realmente estava em debito com aquela mulher. Ela continuou: A vida vai nos gastando senhor, e vai consumindo, vai tornando tudo rotina, o teu emprego que era o esperado no vestibular se torna banal, o teu casamento perde o gosto, os teus filhos perdem o respeito e a paixão pelas coisas, isso é normal, aos poucos parece que vamos nos vendando e vendo o buraco e cavando cada vez mais, ao invés de olhar para cima, ver a luz, fazer a acontecer, notar a umidade do solo, colocar ao seu favor e subir novamente, para ver a grama verde, as flores, respirar um ar diferente que nem sempre foi igual. Você próprio está se dando a chance de mudar, de refazer, e refazer. Não caia novamente no esquecimento, de a sua família visão, futuro, cultura. Não ligue a televisão nos fins de semanas, vá a passeio, em parques, saia com os amigos, renove a cada fim de semana, faça caminhos novos, chegue mais cedo, chegue atrasado, erre os cálculos, some certinho. Seja qual for a coisa que você faça, faça de novo, só que dessa vez diferente. E logo depois ela desligo. E mais uma vez não tive como agradecer. Então logo que cheguei em casa eu vi minha família, mas eu a via diferente, eu era o responsável pela felicidade deles, eu tinha que tornar meus filhos adultos que vissem, eu tinha que tratar minha mulher como a única do mundo. Porque só naquele dia eu pude nascer realmente. E decidi passar a diante, mais pessoas precisam dessa energia e dessa coisa maravilhosa que é saber que a vida. E saber que ela passa se você não aproveitar, então o que eu digo agora, e peço. E que as pessoas vejam, e façam diferente como disse a mulher. E que amem,e cuidem, e não deixem as coisas ficarem na monotonia, porque águas paradas não movem ondas, não fazem tsunamis, não dão oportunidades para ninguém que nela abita, sejam os peixes ou os surfistas. Eu sou responsável pela minha vida, e preciso fazer desse tempo algo que valha a pena lembrar, recordar e passar a diante. Se nos comportarmos como uma nação, não seremos gotas num mar, seremos ondas devastadores num mundo, e de pouco em pouco, podemos mudar aquilo que não nos é favorável e doloroso, para o que é prazeroso e digno para pode viver, e não ter medo de ser quem é, por estar mais feliz do que o outro. A felicidade não é premio de consolação, é bonificação para os que merecem, e um estilo de vida para aqueles que entendem a vida com mais de um olhar apenas.

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